Para uma melhor interpretação do texto recomenda-se a
leitura ao som da música
A minha infância sempre foi muito feliz. A minha família
sempre foi muito unida. Não podíamos dizer que éramos uma família. Éramos muito
mais que isso. Nós éramos todos amigos. Sempre assim foi e, espero eu, sempre
assim será! Todos os meus Natais eram passados com toda a família reunida.
Lembro-me que o nosso Natal era o mais rico da aldeia onde morávamos. Não era
por haver mais prendas. Na verdade, de prendas o vestígio era pequeníssimo. O
nosso Natal até podia ser o mais rico, mas era o mais simples. Na aldeia diziam
, que o nosso Natal animava toda a população. Éramos a única família que
naquela altura do ano reuníamos todos e fazíamos a maior festa de sempre. Uma
festa onde apenas a felicidade reinava. O Natal para nós era como se fosse o
“calor” do ano! Nos 4 dias antes do Natal
oficial, na nossa casa, essa
época já tinha chegado! Já havíamos começado todos os preparativos. Havia
sempre tanto a fazer (!) : bolos, sonhos, filhós e tudo o que se tinha a pôr na
mesa éramos nós que preparávamos. E apesar das muitas tristezas que um ano
pudesse ter, naquela altura do ano, como por magia natalícia, tudo era
esquecido. (surge um grande sorriso na cara de
Adelaide)
Bem, o meu nome é Adelaide. Hoje tenho 45 anos. A minha vida
mudou. Agora, já não sou criança. A minha vida já se complicou. Estou
desempregada. Esta é a minha história. Uma das minhas histórias. A história de
um Natal que sempre me unirá à minha mãe. Foi-lhe diagnosticado Alzheimer à 20 anos.
Ela morreu à 2 de ataque cardíaco. Dia 06/04/2010. O pior dia da minha vida! (o sorriso
de Adelaide desaparece e um tom bastante avermelhado apodera-se dos seus olhos).
Fui bastante criticada por não ter comparecido no funeral dela, nem ter feito
luto. Mas a verdade, é que o sentimento
que tinha por ela não desapareceu assim como as pessoas pensavam que tinha acontecido. Ele permaneceu. Melhor,
permanece em mim. Apesar de tudo há uma coisa que me continua a fazer com que
comunique com ela: uma caixa de música. Para todos, apenas “uma” caixa de
música, para mim “a” caixa de música. A única coisa que me consegue ligar ,
através da sua subtileza sinfónica, à minha mãe. Quando a abro, por magia,
todas as saudades são esquecidas durante aqueles segundos. Aquela caixa, foi o
melhor presente que alguma vez me deram…
Estávamos em 1988, eu tinha 20 anos e o que eu mais gostava
de fazer era dançar ballet. Nesse ano, decidi mudar-me para Lisboa, logo a
seguir ao natal. Tudo estava a correr normalmente, até que abri a minha prenda
de Natal. Quando a abri, uma sensação de enorme alegria apoderou-se de mim!
Dentro da caixa que abri estava o presente que sempre quis: uma caixa de música
igual à que a minha mãe tinha. Sempre gostamos imenso de dançar! Ela tinha uma
caixa linda, mas que com o tempo se degradou e acabou por se partir numa
inevitável queda. A única coisa que restara era uma bailarina, que tinha sido
feita à mão pelos meus bisavós , que não cheguei a conhecer. Aquela bailarina
tinha passado de geração para geração. Agora, ela era minha. Estava dentro da
minha caixinha de música. No dia que recebi a caixa, foi um dos mais felizes de
sempre! Tinha, apesar de uma coisa super simples, a prenda que sempre sonhara.
Nos dias antes de partir para Lisboa, não conseguia parar de
ouvir a música a tocar e a bailarina a dançar. Trazia-me uma tranquilidade… No
dia antes de partir, a minha mãe entrou
no meu quarto e sentou-se ao meu lado. Depois de largos minutos a ouvir
aquela melodia, entramos em sintonia e rapidamente nos levantamos e dançamos um
bocadinho. Soube tão bem! No fim, ela parou. Agarrou-me nos braços e disse-me,
com as lágrimas a correrem-lhe pelo rosto: “ Pensa e lembra-te sempre de mim.
Esta caixa vai ser o nosso meio de comunicação: quando a abrires sentirás a
minha presença, de um certo modo, ao ouvires a música e quando olhares para a
bailarina repara no sorriso e no orgulho que tenho ao ver-te seguir o teu maior
sonho. Quando te sentires em baixo, abre a caixinha. Verás que por breves
momentos, a saudade será esquecida!”
Nunca mais esqueci aquelas palavras. Desde o dia que cheguei
a Lisboa, que sempre que tinha saudades de casa e da minha família, fazia o que
a minha mãe me tinha dito antes de eu partir. Parecia que aquela caixinha tinha
um poder especial. Passaram-se 5 anos. Todos os anos na altura do Natal ia ver
a minha família, mas naquele ano , após os meus treinos de dança, recebi uma
chamada do meu pai com uma trágica noticia: tinha sido diagnosticado Alzheimer
à minha mãe. Não tive reacção imediata, mas rapidamente me apercebi que tinha
de abandonar Lisboa e voltar para casa.
No início da doença, a minha mãe com um bocadinho de esforço
chegava lá. Passaram-se vários anos. Nunca mais voltei a estudar ballet. Criei
família. Tive 3 filhas: a Matilde, a Marta e a Carolina. São os meus 3
orgulhos. Tenho um marido espetacular que me apoia em tudo. Não sei como lhe
agradecer, mas a verdade é que só por o ter conhecido, valeu a pena abandonar
os estudos.
Notei que o Alzheimer, ao fim de 15 anos do seu diagnóstico,
se acentuou de uma forma gravíssima. A minha mãe, já não se lembrava de mim.
Não sabia comer, beber.Estava completamente dependente dos filhos. Mesmo que eu
tentasse ela não se recordava de mim. Ela estava acamada e completamente
desgastada. Num dos dias que a fui visitar, levei a caixa que me tinha
oferecido, quando eu tinha 20 anos. Sem sombra
de dúvidas, a melhor coisa que fiz. Depois de ir ter com ela ao quarto e
falar, como sempre fazia, diariamente, pus a caixinha atocar e a bailarina a
dançar. Ao som daquela melodia, ouvi a voz dela a gritar “ Filha, eu
lembrei-me!”. Lembro-me que naquele
momento, as lágrimas na minha face eram mais que muitas. Ainda mais
estupefacta fiquei quando ela disse, que aquele som sempre nos iria unir, tal
como ela prometera. Então a partir daquele dia, prometi que levaria sempre a
caixinha comigo. Assim o fiz. A caixinha era a nossa ligação. Algo especial e
sem explicação!
Passados 2 anos, (as lágrimas escorriam com bastante força pela face de
Adelaide),recebi a trágica noticia, a pior de sempre: a
minha mãe tinha morrido. Não reagi, não chorei. O choque foi demasiado grande.
Não fui ao funeral, não fiz luto, fui criticada por todos. Não quis saber. Só
pedi para desenharem na campa da minha mãe uma bailarina igual à da minha caixa
e que escrevessem a frase “ Unidas, sempre, por uma sinfonia maior que nós!”.
Assim o fizeram. Isso fez-me sentir a pessoa mais feliz do mundo. ( as
lágrimas de Adelaide secam e surge um sorriso na sua cara)
Sou a Adelaide, tenho 45 anos. Sou casada e tenho 3 filhas.
A minha mãe morreu no dia 06/04/2010. Um dia triste. Apesar daquilo que pensam,
continuo a amá-la, como dantes. Há momentos em que a saudade aperta e é nesses
momentos que abro a minha caixinha de música e vejo aquela bailarina a dançar
ao som daquela melodia. Aí, eu sinto-a. Nesses momentos, parece que por magia ,
as saudades morrem. É difícil de explicar. Apenas sei, que cada vez que abro
aquela caixa a única coisa que faço é sorrir.
PS: Não copie, seja original. Plágio é crime punido por lei! Obrigada!
A história tem um carácter totalmente fictício . Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.
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